Cheguei à escola suada e
ofegante. Meu padrasto desistiu de correr atrás de mim duas esquinas depois da
nossa casa. Jurei para mim mesma que não voltaria para casa hoje. Iria para a
casa da Jannete ou da Sandra. Provavelmente para a casa da Sandra, mesmo que a
mãe dela fosse a nossa professora de aritimética, porque os pais da Jannie
sempre ligam para a minha mãe para saber se ela estava sabendo que eu ficaria
na casa deles. Eu não queria que a minha mãe soubesse onde eu estava.
O primeiro que vi foi o Bart. Ele estava
(como sempre)
em seu skate e veio na minha
direção.
- Oi Valkye!
- Ué, porque a surpresa?
- Não é surpresa, é
felicidade!
- Explique-se, aprendiz de
lavadeira.
Bart era mais fofoqueiro que três garotas
juntas.
- Você não tá sabendo...?
- O que foi, Maria Fifi?
- Há, há, há. Muito
engraçado. Mas, enfim, a mãe da Sandie está doente, e vai vir a professora
substituta!
- Qual é o problema da dona
Janice?
- Não é a dona Janice, é a
professora substituta, ela é muito gata!
Ele deu uma ênfase especial no “u”. “Ah, é
claro.” Eu pensei “Garotos, hmpf”. Então a minha ida à casa da Sandie havia
melado. Então eu iria ser uma menina bem má.
- Sabe onde o Shai tá?
- A primeira aula dele é
química.
- Tá, beleza. Tchau Bart.
- Tchau Valkye.
Virei-me e saí correndo para o laboratório
de química. Como Shai é um aluno modelo, ele sempre vai direto para a sala (dei
muita sorte. Lindo de morrer, e ainda estudioso). Mas dessa vez, encontrei-o em
frente ao seu armário, segurando a mão daquela cachorra (é claro) da Kira. Nem
preciso dizer que surtei.
- Shai Nanshi, o que você
está fazendo com essa vadia?
Kira era uma vadiazinha uns dois anos mais
nova que nós, cabelinhos claros e olhinhos azuis. A típica loirinha safada, e
era ex-namorada do Shai. Nunca fui com a cara dela e de sua franja quilométrica
(é sério, uma vez ela tava com a franja no umbigo).
- Valkye!
Seu susto exagerado me dissera o que eu
queria.
- Nunca mais olhe na minha
cara, seu mulherengo!
Mal sabia eu que seria a última vez que
veria ele.
- Que você morra envenenado
pelo veneno dessa víbora!
Saí correndo sem destino, e fui parar
(inexplicavelmente) na frente do meu armário. Parei alguns segundos para
respirar e peguei meus materiais para Aritimética, Geografia e Física, minhas
aulas antes do recreio. Conferi os horários de meus amigos (todos nós temos os
horários de todos) e dei graças a Deus por não ter nenhuma aula com o Shai
hoje. Eu tinha um de Aritimética com o Bart, outro com a Sandie. Física e
Geografia sozinha. Recreio. Um de Francês e um de Inglês com a Jannete. O outro
de inglês também era com o Bart.
- Senhorita Hijja, Senhor
Klaus, Senhora Laffayette, Senhor Bundamol (ninguém sabe seu nome verdadeiro) e
Mademoseille Gabrielle. Como eu pensei, cara, é hoje.
- Falando sozinha, mor?
- Jannie! Que susto!
- Susto sugere distração. É
com o Shai?
Quando ela disse isso, enfiei a minha cara
dentro do armário. Quando fiz isso, dei de cara com um amuleto em formato de
chama, com uma pedra que nunca tinha visto na vida. Como Jannie é expert em
tudo que é da terra, mostrei a pedra para ela.
- Você sabe que pedra é essa?
- Parece um rubi.
- Ela é tão bonita!
- É coisa que o Shai daria
para você.
Segunda menção ao Shai, segunda vez que
enterro a cabeça no armário, segunda vez que acho algo estranho.
Era um papel dobrado. Era dourado, e
brilhava para diabo. Não mostrei o papel para a Jannie, decidi abri-lo mais
tarde. Deixei ele no armário, e coloquei o amuleto (a Jannie ainda o estava
segurando). Quando eu olhei para a pedra, ela também estava brilhando. Não sei
o que me assustou mais, a pedra brilhando ou o que a Jannie disse depois.
- Você vai fazer algo hoje à
noite?
- Por enquanto, estou
preocupada com como voltar para casa.
- Ué, por quê?
- Gritei com o Paul hoje.
- Meus pais estão fora da
cidade, então dá pra você se esconder lá. Eu chamei a Sandie também.
- Tá pensando no quê eu to
pensando?
Todos sabem o que rolou agora. É muito
óbvio o que nós duas iríamos gritar. Queríamos evitar, mas não conseguimos.
Gritamos em uníssono.
- Noite das garotas!
Corremos abraçadas até chegarmos ao corredor
em que
cada uma teria que ir para
uma direção. Demos um abraço
mais apertado e saímos
correndo feito doidas para as salas.
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